28/05/2012

Descolando Ideias Indica - 2ª Feira



Hoje é a nossa primeira publicação de 2ª Feira no quadro "Descolando Ideias indica". As indicações desse dia da semana serão textos ou frases bacanas para leitura e reflexão e um vídeo interessante no YouTube. Vamos as indicações? Hoje feitas por nosso membro de equipe Raull Santiago.

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Texto: Nada deve parecer normal


"Queremos que a nossa cidade seja próspera e bonita, admirada pelos visitantes e aprazível para os moradores; que tenha grandes avenidas e praças limpas, trânsito livre e entretenimento em abundância. Queremos, enfim, viver numa cidade dos sonhos. Mas, quando essa cidade nos for oferecida, aceitaremos ter de comprar ingresso para entrar nela?
Uma falsa polêmica está sendo alimentada em torno das cidades sedes da Copa do Mundo de 2014. Tentam fazer-nos crer que um dos lados da polêmica é o dos que pensam para frente, dos que “pensam grande” e que planejam grandes transformações nas cidades, grandes “modernizações”. De outro lado, estariam os conservadores, os “do contra”, os pessimistas.
Através dessa falsa polarização, tem-se introduzido, quase sempre em regime de urgência, aprovações e/ou modificações nos planos diretores, nos licenciamentos ambientais, nas regras de controle e transparência dos gastos públicos, nos planos de circulação urbana e transporte coletivo, enfim, em diversos setores concernentes à vida urbana. Sem dúvida, fica muito difícil erguer alguma objeção num clima minuciosamente criado para impingir aos opositores do “desenvolvimento” a pecha de atrasados ou retrógrados. Ninguém quer ser um estraga-prazeres.
Contudo, sob pena de nos vermos alijados da fruição dessa cidade maravilhosa que nos dizem esperar no futuro, é preciso ter cautela e precaução com o que se passa no presente, com o que acontece aqui e agora. Sobretudo, é necessário rejeitar essa falsa polêmica. Todos os cidadãos querem uma cidade bonita e moderna, limpa e próspera, aliás, todos os cidadãos, de todas as classes e de todos os bairros têm direito a desfrutar dessa cidade independentemente da realização de qualquer megaevento esportivo, comercial ou publicitário. Não é por falta de desejo ou pela mentalidade atrasada dos cidadãos que se criaram zonas degradas nas cidades, que a infraestrutura urbana tornou-se precária e insuficiente. O que vemos crescer nas grandes cidades sob a máscara da fealdade e da decadência são precisamente as conseqüências de políticas urbanas equivocadas, cujos atuais preparativos para a Copa do Mundo parecem aprofundar e não substituir.
Temos assistido em boa parte das grandes cidades brasileiras a troca de conveniências entre as administrações municipais e as empresas que atuam no mercado imobiliário e de construção civil. Seja na expansão dos bairros nobres, seja na criação de bairros novos – quase sempre de condomínios fechados e afastados do centro – o mercado imobiliário tem contado com o auxílio das administrações municipais. As regiões tocadas com a vara de condão da fada do interesse imobiliário são laureadas com investimentos públicos em saneamento, energia, transporte, iluminação e limpeza urbana. Amiúde são mais policiadas, suas praças recebem manutenção, suas calçadas têm a pavimentação conservada, os cordões das calçadas pintados e sobre elas toda a sorte de benfeitorias recaem. A mesma felicidade não têm os bairros mais periféricos ou então os centros antigos e históricos que durante anos habitaram o limbo do esquecimento, mas, agora, subitamente, em função da grande festa futebolística, tornaram-se alvo de interesse e de atenção.
De um modo geral, ao negligenciarem a sua prerrogativa de estabelecerem o mapa do desenvolvimento e do investimento urbano a partir de critérios igualitários e, sobretudo, pela observância do interesse público e em consonância com as iniciativas da sociedade, as administrações públicas renegaram as forças regenerativas da própria cidade, das comunidades e dos bairros, e fizeram sobrepor-se à coletividade – que é o princípio de inteligibilidade da experiência urbana – os interesses e os modos de organização privados. Deixada à mercê dos lucros das construtoras, incorporadoras e empreiteiras, a cidade parece cada vez mais um shopping center a  céu aberto; lugar de circulação e de consumo, no qual as individualidades são garantidas por segmentarizações ao sabor das lógicas de mercado e contra todas as misturas e os contágios.
Três episódios recentes, cujos flagrantes podem ser conferidos na internet dão exemplo disso. Na célebre “Esquina Democrática” de Porto Alegre, um grupo de teatro de rua teve sua atuação impedida pela Brigada Militar e seus membros recolhidos para delegacia. Na Feira do Livro também de Porto Alegre, realizada no espaço, pretensamente, público chamado de Praça da Alfândega, a poeta, escritora e performer Telma Scherer teve sua performance interrompida pela mesma Brigada Militar e foi conduzida à delegacia para identificação, mesmo estando de posse de sua carteira de identidade. No Largo da Carioca, Rio de Janeiro, uma estátua-viva foi impedida em sua atividade ou sua inatividade pela Polícia Municipal, em conformidade com a política de Choque de Ordem, mas, diferentemente dos casos anteriores nos quais nem o repúdio dos cidadãos que testemunharam os abusos policiais pôde estancar a fúria policiante, esse episódio teve um final feliz e a indignação dos transeuntes restabeleceu o direito do artista de ficar parado na via pública.
Que política urbana é essa que se mostra tão eficiente para impedir manifestações coletivas e públicas – algumas cujas tradições remontam as praças públicas medievais, como o teatro mambembe e os artistas de rua, e outra que é própria da expressão artística contemporânea, como a performance – e que é tão solícita aos interesses do lucro e da exploração imobiliária privada, mas que, ao mesmo tempo, tem sido deveras negligente com diversas áreas da cidade carentes de investimento em infra-estrutura e serviços urbanos? Qual modelo de cidade está sendo levando adiante por esta política?
Num episodio ainda mais recente, um juiz determinou o despejo de uma família, constituída por uma mãe e duas filhas em situação precária de sobrevivência, que ocuparam um apartamento destinado a moradia popular num projeto do Ministério das Cidades, o qual prevê a constituição de comunidades auto-gestivas em prédios abandonados do Governo Federal. A legitima destinatária nunca teria feito uso do mesmo e, segundo informam os membros da comunidade em questão, tentou alugar o imóvel por duas vezes, prática proibida pelos termos do acordo de moradia. Assegurando a inviolabilidade do direito de propriedade, o juiz deixou clara a ordem de valores que organiza as práticas judiciárias e, coextensivamente, o funcionamento dos governos: em primeiro lugar a propriedade individual, apenas depois a função social e, até mesmo, o contrato e os acordos firmados.
A cidade com que sonhamos pode estar muito longe da cidade real que habitamos todos os dias, mas ela vai sendo tramada nas nossas experiência urbanas cotidianas e ganha forma a partir das lutas coletivas que empreendemos, das rebeldias, das indignações, dos modos de viver e habitar, das práticas que estabelecemos e dos encontros que experimentamos. A cidadania é uma forma de exercício e não um objeto de consumo. Da mesma forma, a cidade é sempre uma obra em processo, em construção. Não possui a elegância dos objetos prontos, mas traz no seu corpo a memória dos enfrentamentos que travou.
Nessa cidade de pura beleza, higiene e organização com que nos acenam, talvez não nos sintamos à vontade. Como um salão de festas finamente decorado, ela promete beleza, mas não garante alegria. Todas as cidades-sede da Copa do Mundo desejam ser boas anfitriãs e fazer bonito. Mas, para o bem dos cidadãos, é importante que essa festa não seja apenas para tirar fotos ou para ilustrar cartões-postais, e, sim, que tenhamos de verdade motivos para celebrar. Nesse sentido, a única urgência aceitável é a de que as administrações municipais estabeleçam um diálogo franco com a sociedade, debatendo uma agenda de melhorias urbanas que atendam aos interesses mais sociais e coletivos e menos empresariais e privados. Desejamos que a Copa de 2014 seja uma festa dentro e fora de campo. Mas, quando se apagarem os refletores e a conta nos for servida, terá valido a pena?"
Créditos: Site CRPRS
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Vídeo YouTube:
É preferível dar aos porcos do que ao homem. Pense, reflita e aja!


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Na 4ª Feira, mais dicas interessantes para vocês. Aguardem!!



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